Não costumo fazer juízos de valor acerca de personalidades do passado. Não vivi na época em que viveram, não respirei o ar que respiraram e não passei pelo que passaram. Assim, ao me debruçar sobre ações humanas de outrora, o faço apenas para extrair princípios que possam ser aplicados no contexto atual, não para julgar quem quer que seja.
Quem assim analisa o nome de Getúlio Vargas sabe que, apesar de controverso, é figura enorme na história do Brasil, cujos atos, muito embora questionáveis do ponto de vista ético, são dignos de exame sob o ponto de vista da argúcia e da estratégia.
O que o fez tão grande, na verdade, foi o fato de que ele entendeu as demandas de empresários e trabalhadores e, muitas vezes na base da força, impôs a conciliação para, assim, criar uma noção temporária, mas significativa, de "identidade nacional". Vargas sabia que o empresariado precisava de trabalhadores mais produtivos e de uma população menos revoltosa. Sabia também que trabalhadores produtivos e população amansada demandam salários mais substantivos, direitos regulados e benefícios materiais alcançados pelo Estado.
Para isso, tanto o empresariado quanto os trabalhadores deveriam ceder. No pensamento de Vargas, a questão social não podia ser reduzida a um caso de polícia, mas sim de mediação. Do contrário, a panela de pressão explodiria e era justamente o que Vargas queria evitar.
Foi com esse intuito que Vargas se dedicou a regulamentar as relações de trabalho e a ampliar os direitos sociais das classes trabalhadoras, dando-lhes acesso a serviços que antes não dispunham. Ressalte-se: não o fez por sentimento humanista ou por senso de justiça, mas por um cálculo político arguto, que objetivava amenizar os embates entre empresários e trabalhadores.
Ao final, Vargas estaria certo e quem mais se beneficiaria com isso seriam os próprios empresários. Na década de 1930, a produção industrial cresceria em média 5,2% ao ano e o PIB 4,6%.
Por que digo isso? Para demonstrar o horroroso processo de involução pelo qual estamos passando. Se há 90 anos se falava em concessão de ambas as partes, hoje se fala em perdas apenas para as classes pobres. Fala-se em retirada de direitos trabalhistas, redução de benefícios previdenciários, cortes na educação, na saúde, e espera-se que a população olhe pra isso tudo resignada, inerte.
A "elite política e econômica brasileira" (prestem a atenção nas aspas) crê piamente que reduzindo benefícios materiais dos trabalhadores, e só dos trabalhadores, não haverá perda de produtividade, nem da qualidade dos bens e serviços produzidos e colocados no mercado. Pior, não vislumbram um colapso social iminente.
Bom, antes que me joguem pedras e digam que estou contra os empresários, me resumo a reproduzir frase dita pelo próprio Vargas a seu assessor, Ernani Amaral Peixoto, após encontro com industriais fluminenses em 1935: "Só estou tentando salvar esses burgueses burros e eles não entendem".